Para educar, instituições devem retomar liderança em IA

O uso massivo da inteligência artificial na academia e no mercado levanta uma série de dúvidas acerca de seu uso. À medida que a tecnologia se torna parte da vida cotidiana, cresce a necessidade de compreender o seu funcionamento. Se de um lado os estudantes e profissionais aderiram ao uso da IA em suas atividades, cabe às organizações tomar controle dessa nova realidade para garantir o manejo adequado da ferramenta. Para auxiliar os usuários, dos iniciantes aos mais experientes, o cientista digital Maurício Garcia publica seu mais novo livro – Inteligência artificial: passo a passo para quem quer explorar os recursos básicos e avançados da IA.

O livro surge como resposta às recorrentes perguntas que Garcia tem ouvido em suas palestras: “onde aprendo sobre IA?”, “não sou da área e quero aprender a programar, por onde começo?”.

Resultado de diálogos e pesquisas produzidas pelo autor ao longo dos últimos anos, a obra está disponível gratuitamente na plataforma autoral Solvertank. Em entrevista à Ensino Superior, o especialista, que é membro do Conselho Editorial da revista,  fala sobre o atual contexto mercadológico e defende a formação em tecnologia.Abaixo, alguns trechos da conversa:

 

O livro começa com comentários sobre a representação da tecnologia no cinema. Você acredita que o entretenimento aproxima o público da IA?

Na maioria dos filmes, a inteligência artificial é a vilã. Seja em “2001 – uma odisseia no espaço”, “Exterminador do futuro” ou “Matrix”, a IA sempre é vista como negativa. O cinema captura o sentimento das pessoas e acredito que esse é o sentimento: mais do que empolgação, as pessoas temem a tecnologia.

 

Qual a importância de um uso mais sustentável e ético da IA?

A inteligência artificial não é ética ou antiética. Como um martelo, é uma ferramenta. Com o martelo posso criar um móvel ou bater na cabeça de uma pessoa. A discussão diz mais respeito à sociedade. Como se usa? A IA não tem vida própria, trata-se de um conjunto de fórmulas matemáticas executadas no computador. Logo, a ética está nas pessoas e não na máquina.

E qual o caminho para garantir que seja feito um bom uso dessa tecnologia?

Existe uma grande discussão sobre a regulação, não apenas da IA mas da tecnologia como um todo. Deve haver algum tipo de regulação e isso está na esfera jurídica. E isso envolve os aspectos presentes no livro, a forma que se usa, a produção de deep fakes e até mesmo questões de direitos autorais. Na educação o problema é enorme. Como saber que o aluno não usa IA para produzir o seu trabalho? Atualmente, a IA é muito mais um problema de “como não usar” do que “como usar”. Esse é o grande desafio, como as escolas controlam? E isso deve passar pelo aspecto ético.

Marina Feferbaum, da FGV Direito SP, tem trazido artigos voltados para a IA em sua coluna na revista Ensino Superior. Em um deles, aborda a importância da criação de um comitê de ética nas instituições de ensino. Como você enxerga a proposta?

Independente da IA, eu gosto da ideia do comitê de ética para qualquer coisa. Existe o comitê de ética em pesquisa, por exemplo. Mas acredito que esses comitês deveriam ser órgãos dos alunos e não das instituições. São os estudantes que devem criar e cuidar do próprio comitê de ética. As instituições devem estimular e apoiar a criação, mas o gerenciamento e a tomada de decisões deveriam ser responsabilidade dos estudantes. Isso os tornaria mais maduros. Algumas faculdades têm isso, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O professor dá a prova e o aluno pode levar para fazer em seu quarto. Ele poderia colar, mas não o faz porque existe um sistema de autocontrole dos próprios alunos para isso.

 

No capítulo 6, você menciona um “abismo a ser preenchido” com líderes organizacionais que conhecem o mercado, mas desconhecem o funcionamento da IA, e programadores e cientistas que dominam a tecnologia mas não o negócio. Como chegar no melhor dos dois mundos?

O esforço maior deve vir dos não programadores. É preciso aprender a programar, aprender sobre tecnologia. Afirmo com toda certeza que, hoje, todas as empresas deveriam ser de tecnologia. Se você observar, todas as empresas que se tornaram gigantes são de tecnologia, ao contrário das empresas que quebraram e saíram do mercado.

Existem as empresas que já nascem com essa identidade tecnológica, como o Airbnb. E existem as empresas analógicas. Para essas, há o processo de transformação digital, que é muito difícil, porque a empresa já tem sua própria cultura. Nesse processo, é preciso investir em programadores. 

Antes existia o DPI – Departamento de Tecnologia da Informação, mas isso não existe mais. Qual é o DPI do Facebook, da Google ou da Amazon? Não existe, tudo é tecnologia. A empresa que não compreender a necessidade de uma formação sólida em tecnologia não vai escalar. 

 

Isso vale para as instituições de ensino?

Com certeza. No campo da educação, podemos dividir o setor em três categorias, as redes educacionais, as instituições públicas e as demais. Ao olhar para os últimos 10 anos, percebemos que o único grupo que cresceu foi o das redes. Houve uma consolidação, as redes têm a maior parcela do mercado e condições para investir. Há estrutura e mão de obra. É muito difícil para uma instituição pequena fazer isso. Para essas, o cenário é desafiador.  

 

Quais são os outros desafios do cenário atual?

A IA não tem personalidade, não substituirá o professor, mas vai empoderar. Alunos e professores já são usuários e a escola perdeu o protagonismo nisso. É como se as instituições apenas observassem a expansão orgânica do uso dessa tecnologia. Portanto, é preciso que a escola assuma a liderança desse processo.

As tarefas mais básicas do processo de aprendizagem serão cada vez mais empoderadas pela IA. Embora exista um processo social em volta dele, o aprendizado é individual. O aluno deve estudar, essa é a única forma de aprender. E nesse processo de solidão, a inteligência artificial o auxiliará, poderá tirar dúvidas. Mas isso é aprender e não educar, existe uma grande diferença. O aprendizado é como se faz e a educação é a razão do fazer. Nisso entra o protagonismo da escola, o propósito é responsabilidade da instituição e do projeto pedagógico, cabe a ela compreender o seu papel. Apesar das ferramentas que aceleram o processo, a missão continua sendo institucional.

Saiba mais em: https://revistaensinosuperior.com.br/2024/09/04/para-educar-instituicoes-devem-retomar-lideranca-em-ia/

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